terça-feira, 22 de setembro de 2009

NOVELA


parte II


- Você não pode falar isso!
- Ah é? E por quê não?
- Ninguém diz um troço desses e sai impune.


Maldita hora aquela em que peguei naquela desgraça de orelhão e te acordei, tarde quente de feriado, para quê? Para irmos ao cinema. Merda! Merda! Merda! Pronto, falei mesmo e daí? Vi você se esquivando, e eu pensando: Não, não faça isso!!! Não deixa ele te beijar! Eu tô aqui... tô vendo pô...


Eu gritava por dentro!


Depois correu atrás dele, me empurrando. Quis te esquecer para sempre na mesma hora... Quis deixar aquele outro cara - de quem era super afim há muito tempo - sentar no meu colo, já que era a quinta vez que ele tentava nesta mesma noite. Mas não deixei. Lembrei do seu apartamento, olhei para as paredes, procurei pela frase do Rimbaud, e resisti. Resisti pela evasão que muitas vezes permiti ao meu eterno coração. O outro cara acabou pegando qualquer mané. Resisti pela coragem que teu sorriso me traz. Aqueles outros dois serão gratos a mim. Resisti por causa da árvore no seu escritório, que fica no quarto andar. Será que foi você quem carregou ela até lá? Seu prédio não tem elevador. Seus braços são bonitos. Gosto quando me tiram do chão.


- Senta mais perto, você tá tomando muita chuva aí.
- Você não me disse muito do que eu gostaria de ouvir...
- Você disse menos ainda.
- Pode ser qualquer lugar mesmo?
- Hum?
- Depende de mim você ir embora, é isso?
- Não, não, não é isso... mas seria muito melhor se me acompanhasse.
- Então vamos!
- Espera aí, vamos onde?
- Vem comigo que no caminho te explico.


Mas voltou, voltou e gritou meu nome. Tá, eu vou ficar remoendo esta migalha, essa miséria de abraço que foi provavelmente um milésimo de segundo do efeito da bosta de uma droga moderninha qualquer que provocou uma descarga - descarga! - de infame energia. Mas voltou, voltou e ficou lá, o mais viril da pista de dança, com os punhos cerrados e os olhos voltados para dentro. Como um boxeador após nocautear alguém. Mais tarde, nem tão tarde assim... me segurou pela cintura e hesitou tanto por causa desta porcaria de telefonema. Ódio, tanto ódio que chega a doer. Tudo bem, me desculpo sem razão, falo que gosto de você, da sua voz e vou embora. Sei sim, sei que muito do que digo não deveria nem pensar.


- Aquele dia, ao telefone, você ficou puto comigo.
- É, fiquei mesmo...
E só me lembro do absurdo!
- Absurdo.
- Absurdo? Absurdo é o quê hein? Eu ter te ligado? Você ter me levado para sua casa? Ou seja... eu - um maluco de suspensórios que foi chupado por você um final de semana inteiro, enquanto ria a seu contragosto, que foi espremido atrás de uma banca de revista por seus braços de remador - pensar que poderíamos ir ao cinema no feriado? Então me diz, que absurdo maior eu posso cometer? Hein?? Hein???


- Amanhã eu tenho que remar. Já tô indo embora.
- Eu também tô indo embora.


Tão bêbado e trôpego quanto cheguei em sua nuca com tímidos beijos, eu fui embora. Sentei lá fora e chorei. Mas só um pouco. Foi dos olhos prá fora. Feliz desta lagoa que te vê pelas manhãs.
Agora? Agora nada, somente mais uma cagada prá contar e divertir os amigos. Mas ele segurava a minha cintura. Se por vergonha ou medo? Sei lá. Mas segurou forte, pois me lembro nitidamente da sensação de ser segurado pela cintura quando na verdade queria com todo meu torpor um beijo violento. Sem mordida, somente um beijo daqueles de perder o fôlego. Um beijo que norteasse o resto da noite para sua cama.


- Você tem dignidade quando perde o fôlego desta maneira...
- Aquele cartaz ali fui eu quem fiz, demorei cinco dias colando estas bugigangas.
- Acendeu?
- Cuidado para não queimar o lençol.
- Você mora sozinho?
- Não, moro com meu irmão e o Mao.
- Mao?
- É! O gato, ele pensa que é um cachorro...
- Ele late?
- Não, mas...
- Você fala com paixão das coisas.
- Mas eu só tenho três paixões na vida: livro, maconha e trip-hop!
- Ai que lindo, adorei isto. Me dá um beijo?