segunda-feira, 31 de agosto de 2009

FORA


Ele foi embora, levou alguma alegria e qualquer folia... a calça da adidas, o cartão de desconto no cinema e o isqueiro prateado. Não sei por que se foi. Passei a semana pensando e me doendo pela manhã. Levou as grandes mãos que eu tanto adorava, as gírias que ainda insisto em usar. Já não sei se nos braços novas tatuagens, se na tua cama outro cara. Ele se foi e levou o breu da noite nos olhos, a rouquidão grave das manhãs e a agudez de sonhos realizados antes de adormecer... Deixou um recado no celular, mas não atende ao telefone, se trabalhas ou vadias, desconheço... levou a leveza do tempo e o peso do espaço para onde posso apenas imaginar. O cheiro forte e quente que habita dentre tuas pernas, e aqueles rudes modos sempre a me preocupar, se foram . Foi embora mas ainda mora no mesmo lugar. Me exilou do teu endereço, fez de nosso passado um mero adereço. Ele foi embora, não voltou com o maço de cigarros, e nem voltará. Ele não fuma. Nunca fumou. Nosso lance foi curto e louco, restaram apenas poucas palavras e inúmeras vagas sentenças. Ele foi embora mas não esqueceu de se despedir. Deu nós nas pontas do cadarço do meu sujo e velho All Star. Me deixou tropeçar sem hesitar. Ele foi embora, domingo não tem mais almoço japonês. Nem beijinho no balcão do bar. Não deixou foto, nem canção. Ele foi embora, levou alguma folia e qualquer alegria... levou seus ciúmes, o sono suado e agitado. Ele foi embora, levou tua simulada sinceridade e tantos encenados êxtases de amor. Deixou um amontoado de distantes termos. Foi-se numa noite com a pista cheia de possibilidades, com a cara cheia de álcool e o rabo cheio de pó. Encheu teu saco com meu amor. Espremeu minha paixão que nem acne. Deu um sopro na minha platônica cumplicidade. Ele foi embora, não quer mais minha baba no seu ovo. Meu brigadeiro no ponto. Minhas músicas de preto. Meu farto bigode no cangote. Meu pau sem camisinha. Meus versos improvisados. Ele foi embora, não quer me ver de novo. Não quer me ver nem pelas costas.

RESSACA


Todo domingo eu queria ter outro fígado no lugar do coração.

sábado, 29 de agosto de 2009

ARRANHA CÉU


Mil noites
cafeína e cigarros
pistas de dança
monociclos e triciclos
sinais ou faróis?
naipes à esquerda
ganhar, perder
quantos anos você tem?
outras tantas ondas
o mesmo sol a nos reger
ainda é noite
espera, volta
o calibre da tua falta de vergonha
eu sou alvo instantâneo pros teus lábios
eu sou alvo eterno da tua fuga
corres para onde?
o mesmo sol a nos embriagar
é noite ainda
eu não sei quantos anos tenho
seus braços na direção
eu já posso cair em tentação
cafeína e cigarros
repetidas vezes
seu riso, meu ciso
te levantam pelo pescoço
globos de espelho
pichações em paredes
o temor do meu prazer
a pressa explícita da tua garganta
vodka, repressão
mil noites
eu não tenho mais o que fazer
um minuto
outro romance de começo infeliz
eu faço um rap da tua ausência
eu faço um rap disparado por
breves lutas
leve e bruta batida
em olhos cegos de esperança
por roucos ouvidos
confusa dança
eu faço um rap
monossílabos, tritongos
estéreis estéreos
eu faço um rap
torres, cavalos...
pistas de dança
penúltimo degrau
segredos forjados
prá te perder
ou aliciar tua tensão?
um minuto chega
é muito ainda
amanhã quem sabe
some, evorapora, vaza, desapareça
caia fora atento
já chega
mil noites
o mesmo sol a nos acariciar
a terra empaca
terremotos no japão
um minuto chega
é muito ainda
prazos de validade
da tua confusão
melhor assim
blecautes
acidentes de automóvel,
fumaça e lágrimas
nos olhos
mil noites
outro sol a nos queimar.

APARTAMENTO


Um flagrante:
- Quê isso?
- Vamos dormir aqui.
- Juntos? No sofá da minha sala?
- É que...
- Eu não gosto! Eu não gosto! Não Gosto!!!
- Tá, mas...
- Eu quero que vocês se levantem! Vão embora, cada um para sua casa!
- Nossa, mas não podemos nem ir para a mesma?

Disparo o alarme da portaria.

- Sabe que tenho pensado muito ultimamente? Que relacionamento é assim. Você conhece, beija, transa, e pode ser que se apaixone.
- Aí começa a descobrir coisas do outro que não gosta. E vice-versa. Porque paixão verdadeira tem que ser recíproca né? E fica tudo chato, você quer mesmo é fluir na boa, sabe? Nada deste papo de ter que ouvir o que penso.
- É isso. Se resiste ou não, depende de muita merda.
- E eu tô cansado de merda séria!

...


Eu olhei para ele e pude sentir-me fragmentado. Vago, eu sei. Mas era exatamente como me sentia. Incapaz de finalizar qualquer frase, qualquer pensamento. O que não saiba talvez - além das insanidades cometidas graças aquelas vodkas a mais em seu aniversário - é que tal sensação não me faz incompleto. Sim, pois todo pedaço que tenho de mim está em seu lugar, alguns explícitos, outros tão ocultos que chego a duvidar de suas respectivas existências. Espasmos. A vida tem destas coisas meus caros. O espasmo que foi aquela mensagem de celular... ou aquela aparição quase fantasma diante a portaria do seu prédio... Aonde quero chegar? Entre hesitante e confiante, o que me move são rictos, músculos involuntários de uma mente entre o feliz e o amaldiçoado. Mas se é para crer, que seja para o bem, para o positivo. Não que eu creia facilmente em frases magníficas de auto ajuda. Em momentos fáceis elas podem revelar-se intensamente verdadeiras.


- Mas que porra é esta de papo auto ajuda?
- Sei lá, estou seguindo, esperando que isto me leve a algum lugar.
- E onde este lugar? Senão em você mesmo?
- É, tá certo. Você é tão bobo, mais do que eu.
- Tsc, tsc. As vezes te desconheço...
- Porque este mal humor todo? A gente só está...
- Ah, não faz mal, me dá um beijo vai?

Eu não olhei para ele, mas abracei-o, coloquei minha mão no meio de suas pernas e beijei-lhe os lábios timidamente, ainda incerto se devia fazê-lo. Mas qual beijo não tem uma desmedida carga de incerteza? Um casal de noivos no altar, talvez? Ou o talvez seja a ocasião, a cerimônia para os amantes um agravante de toda felicidade e maldição?
Certas coisas batem pelos poros. Sim, não posso negar. Seu beijo é uma ponte. Exatamente, sem eu te amo, ou adeus, ou mesmo um telefonema. Este estar fragmentado é o que sinto pela noite me corrompendo a direção. Guiando meus olhos para onde quer que seja. O movimento dos teus braços tão fortes. O peito arfando sem querer.

Instantâneo. Disparei duas vezes.
Com outras aparições, com a mesma noite repetindo-se pela manhã na cama ao lado. Nestes instantes eu senti minha língua e dedos gigantes. Ah, que nada, pára e pensa. Levanta e faz barulho lá na sala. Daqui a pouco ele vem.
- Ele quem?
- O seu ciúme, por exemplo.
- ...
- Uma paixão que dê certo seria melhor.
- Eu não sirvo?
- Não, você não existe.
- Ele é muito agressivo comigo. Tá vendo?
Foi um soco, uma mordida. Mas foi também permissivo, gentil e carinhoso.
- Sou sim, mas é só...

Então ele aparece, aquele zé mané com cara e cú inchados - deve ser de tanto chorar e dar - este voz molenga. Não é coisa de macho que se imponha. Você precisa dar um jeito nisso. Como? Sei lá, aperta os bagos dele!
E nada.
Que porcaria de literatura é esta? Narrando assim, sempre da mesma forma, verdades e devaneios.

- Tá vendo? Já cheguei a algum lugar.
- Ai ai.
... somente uma forma de manifestar apego ainda que resistindo a ele.
- Isto precisa ser revisado.
- Ei! O que é isto? Você não é meu editor... Não interrompa minha narrativa!
- E você, pensa o quê? Que pode sair por aí fazendo merda só prá ter verdades prá narrar depois?

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

ULTRAPASSE PELA ESQUERDA


Acendo um cigarro. Outro cigarro.
Tic tac tic tac, parece óbvio,
mas o relógio no seu pulso, impelia...
fazer algo, sair dali.
Levanta os vidros da janela
abaixa minha calças.
O cheiro que não esqueci,
é sempre o mesmo quando possível
Calar a consciência,
é o que sempre busco em tais momentos
mas ela teima, instiga, fere
sinestésica convalescendo,
filha da puta inenarrável das tramas vulgares por onde tropeço
mas não, dela me esqueço.
Vai, que horas são?
Acaba logo porra!
A mentira que deixei de proferir,
o estrago do fora que levei no sábado à noite,
inevitável devido às circunstâncias ou a carência?
A carência entre as pernas, a espera entre os dedos.
Acendo mais um cigarro.
Caminho para casa de cabeça erguida.
Com o braço prá fora da janela.
Carícia no lugar dos cabelos
Seus nomes, minha cara ali.
São tantos endereços, telefones, vírgulas e adereços
qualquer papo besta.
Notas e explicações.
Mentais sensações, forjadas casualidades
fatalidades, situações.
Eu não te conheço?
agora já tenho preço.
O conforto desta boca
o desejo dentre os dentes
a cor das tuas grossas coxas.
Apego, cervejas
cardápios e camisinhas.
Livros, traições ao avesso
eu sei o que mereço.
Você sabe aonde caminhas?
um dois três quatro cinco
antes do fim
depois do recomeço
acendo um cigarro, outro cigarro
Tic tac tic tac, parece óbvio,
mas o relógio no seu pulso, impelia...

NOVELA


parte I


- Daqui a pouco não vou poder nem encostar em você...

- Não mesmo, já sofri muito por hoje.

Vaidade. Quem se precipita agora, é ele. Aparecendo nas tardes da semana,passando brevemente pelas mesmas noites... a toa, vagabundeando sem compromisso.C arência. Dispensando bebidas, fumando muitos cigarros, olhando com cara de piedade.

- Vai continuar estranho comigo?
- Estranho? (você sabe que fez por merecer)
- Vai pô, deixa rolar...
- E não estou deixando? (rolar o quê?)
- Eu sei que você não é assim, te conheço...
- O quê você quer de mim? (Ah, não conhece não!)
- Você não se cansa de responder com perguntas?

A última indagação foi outra indagação ou resposta para nenhuma delas? De repente o diálogo torna-se a principal, quase única razão que nos une. Seus olhos ficaram um pouco mais tristes... e voltam-se para trás em toda e qualquer breve despedida. Reclamações e suspiros loucos num jardim qualquer. Aquele cheiro de merda, o gosto de álcool nos seus lábios. A tua boca amarga, ácida, doce, molhada.

- Você tá trabalhando demais!
- ...
- Vamos sair hoje?
- Vamos para a esquerda ou direita?
- Não, eu quero ficar por aqui mesmo... por enquanto.

Será que nunca nos encontramos em nenhum mísero lugar comum???
Ele caminhando com a mão dentro de calça. Me chamando de ridículo, hesitando um convite. De repente, tudo fica muito claro e nítido. A isto temo alucinadamente. Seu passado te condena, sua cara não mais me excita. Um pé com o dedão trincado, um braço forte, o esquerdo, tatuado. Todo fodido e mal humorado... e outras impressões se repetindo, o telefone, a pista de dança. Mil tentáculos pelos poros que persigo.

- Você tá indo prá casa?
- Tô.
- Não quer ir ali comigo?
- Ali onde?
- Ali.
- Ai, que delícia.

Mais uma antes do fim. Mais quantas até depois do fim? O mundo gira e isto não é novidade alguma, nos traz sempre de volta aquilo que um dia tratamos de fornecer. Mas aí eu te pergunto rapaz, vale a pena ser? Tanta gente a nos observar, até mesmo a nos olhar sem nos ver. Tudo muito simples e óbvio. O arrependimento de um certo adeus que tantos anos demorou pra acontecer ou simplesmente se manifestar. E você? Quanto tempo neste papinho pseudo-descolado de relacionamento aberto? Não tem jeito, eu misturo tudo, por isso sou eu. Eu sou por isso.

- Você estava bem nervoso à mesa esta noite...
- É ?
- É, o que acontece ?
- ...
- Sua mão tá quente.
- Vem cá, deixa eu te dar um último beijo.
- Tá vendo? Eu tremo todo só de pensar neste beijo.
- Mas tem que tremer mesmo, senão não tem graça.

SÁBADO


Duas diferentes noites, aqueles braços novamente no bar.
- Tá legal hein ?
- Já cheguei assim.
- Chegou onde ?
- Ao mundo !

Três diferentes noites, aqueles braços repetidamente no bar.
- Te vi quando cheguei...
- Ah... e não mexeu comigo porque ?
- Você tava um pouco longe...
- Pois eu te agarrei na mesma hora que vi.

NOITE



Parte I


Com os olhos fechados, ainda vejo focos de luzes piscando. Batidas e levadas, calor nas mãos. Um inquieto delírio nos ombros. Bom, muito bom. Assim, sem mais nem menos? Do que você está falando? Um empurrão. Latência em pequena multidão. Corro, sem destino certo. Giro, rodo, um movimento estelar nos ossos estalando. Porradas na madrugada. Violência, um maço de cigarros que se fuma sem vontade. Uma dúzia de cervejas e sua cara sempre no banheiro. Desmentindo promessas juvenis de uma paixão igualmente pueril. Não se espera nada da sorte para que ela aconteça. Mas teve aquela que me arruinou, exatamente quando se confirmou. Eu desejei tanto, tanto, tanto... que cheguei a duvidar. E hesitei. Na anterior não. Fui até o fim de um amanhecer melancólico, frenético nas articulações de uma cidade ambíguamente confusa. Confissão. Me livra deste clichê absurdo. Me dê uma droga de garantia para a semana que vem. Giro, rodo, quantas vezes? Sem medo do ridículo. Ah, que nada, somos tão ridículos em nossos rituais por natureza meu bem. Somos feitos de silêncio e sons. Fomos condenados por nós a uma liberdade eterna, a uma inútil crença de que podemos ser aquilo que quisermos. Que nada pode nos deter senão a morte. A morte virá à noite? Ou será numa tarde quente? É certo que ela virá. e que seja breve, como o intervalo de breu e luz desta pista. Relâmpagos de toda urgência contemporânea. Trovões de um passado próximo. Ontem á noite. E esta continuidade a qualquer preço. Querem uma história? Descendo para a pista, vi ele e seu amigo ali, quase indo embora. Dançava. E vi que retornando, procurava por mim. Puxei-lhe pela camisa. Olhei de perto, para sentir-lhe o cheiro. E foi neste instante nosso primeiro beijo. Música acelerada em pulsação estagnada. Me leva para casa. Me leva para outro lugar. Me leva para qualquer lugar. Mãos dadas por alguma outra manhã. Telefone trocado por alguma outra manha. Outra dose. Sua cara branca e bêbada sob a vermelha luz do bar. Violência na tv. Tira esta mão daí. Põe aqui, agora relaxo, na noite que vem será diferente. Sempre é.

DE ENCOMENDA


Esta é para você
que enche o rabo de álcool
e sai por aí
flertando e blefando
com a sorte
com o azar
pois no jogo e no amor
existem pólos
inversos
mas controversos
são nossos modos

Não falarei de mim
somente
permito me
observar te
observando
vai sem se despedir
que atiro migalhas
do meu afeto
uma rajada
de carência e imprudência
este nosso amor
tão velado
quase morto antes de nascer
quase louco antes de se perder
medidas breves
ânsias e transparências
escapes
do teu orgulho
do teu controle
eu sorrio por te deixar
eu sorrio por te levar
repetidas vezes
dando de ombros
teu abraço é
um laço
um maço
um lapso
um cagaço
logaritmo logrado
que quero só prá mim
já que esta é prá você
pode ser?